Processos decisórios: Ser ou não ser?
- Marisa F Mendes
- 27 de jan. de 2017
- 3 min de leitura
A dúvida é um elemento constante entre aqueles que precisam tomar decisões. Os defensores da razão plena sustentam que para se pensar bem e tomar uma boa decisão deve-se abdicar das emoções e cultivar a racionalidade através da clareza de pensamento - competência dedutiva -, deixando de lado as emoções, com suas
obscuridades e suas paixões.

O dualismo ocidental, que insiste em manter distinto corpo e mente, razão e sentimentos, tem sido motivo de discussões acadêmicas e filosóficas há muitos séculos. Desde as primeiras teorias de Descartes até hoje em dia, muitos ainda se contrapõem quanto à real conexão entre essas esferas.
O neurocientista Antonio Damásio, em seu livro “O Erro de Descartes”, apresentou sua teoria sobre os marcadores somáticos. Nessa, ele nos mostra como a neurobiologia tem demostrado a conexão entre esses elementos através do estudo de pacientes que sofreram lesões cerebrais. Entre outras descobertas, seus estudos têm nos possibilitado reconhecer a importância das emoções e dos sentimentos nos nossos processos decisórios.
Na perspectiva da razão nobre, os diferentes cenários de uma decisão devem ser considerados um a um, e uma análise de custos/benefícios de cada um deles deve ser efetuada.
Porém, dado que a maioria dos problemas tem muitas alternativas, sua análise se torna cada vez mais difícil à medida que avançamos nas deduções, levando a um cálculo complicado. Este, que provavelmente dependerá da criação contínua de cenários imaginários baseados em diferentes esquemas mentais e narrativas verbais, essenciais à manutenção do processo de inferência lógica.
Se a racionalidade for a única estratégia existente, esse processo não funciona, pois ou ele levará um tempo muito maior do que normalmente se dispõe para uma decisão, ou a pessoa se perderá nos meandros dos cálculos imaginários e entre outras coisas. Isso porque a atenção e memória têm capacidades limitadas.
Então, como conseguimos decidir?
Para Damásio, antes de aplicarmos qualquer análise de custos/benefícios, antes de raciocinarmos, acontece algo importante. Quando antes mesmo de concluirmos esse processo, nos surge um mal resultado associado a uma dada opção de resposta e sentimos uma sensação visceral desagradável.
A esse estado ele nomeou marcador somático. Sua função é convergir a atenção para o resultado negativo que a ação pode levar e atuar como um sinal de alerta automático, sinalizando o perigo decorrente de escolher a ação que terá esse resultado, nos protegendo de prejuízos futuros e reduzindo o número de alternativas existentes.
Não se trata de abdicar da análise dedutiva, mas de compreender que essa só ocorre após que esse processo automático reduzir o número possível de nossas opções, aumentando a precisão e a eficiência do processo de decisão.
Os marcadores somáticos são gerados a partir de nossas emoções e sentimentos durante o processo de aprendizagem.
São adquiridos por meio da experiência que inclui não só entidades e fenômenos com os quais o organismo tem de interagir, mas também convenções sociais e regras éticas. Não tomam decisões por nós, mas ajudam o processo de decisão dando destaque a opções favoráveis ou adversas; suas ausências reduzem as chances de nossas boas escolhas.
É graças a eles que podemos inclusive, decidir fazer sacrifícios agora para obter benefícios no futuro.
Perante uma perspectiva imediata pouco agradável, a ideia de vantagens futuras cria marcadores somáticos positivos e supera a tendência para a decisão negativa, criando o que comumente chamamos de ‘força de vontade’ para enfrentar a situação.
Para o autor, força de vontade é uma metáfora para a ideia de escolher de acordo com resultados a longo prazo. Dessa forma, em um ano que se inicia com muitos desafios, chegarão mais longe aqueles que tiverem marcadores somáticos mais positivos.
Como citar esse artigo: Mendes, Marisa F. Processos decisórios: ser ou não ser? Rio de Janeiro, 27 jan 2017. Disponível em: https://www.marisa-mendes.com/single-post/psicologia-processos-decisorios-ser-ou-nao-ser . Acesso em (...).
Para saber mais: DAMÁSIO, Antônio. O erro de Descartes: Emoção, razão e cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
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