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Respeito à dignidade humana: uma decisão ética ou moral?

Convidada a preparar um breve texto sobre o “respeito à dignidade humana” me vi diante de um dilema: por onde começar? A primeira vista, o assunto me pareceu complexo por sua obviedade. Não soube como iniciar. Alguns dias se passaram enquanto refletia e compreendia a necessidade de aprofundar o pensamento antes de escrever. Em um momento como esse é importante pausa, observação.


“É preciso ser louco para vencer os hábitos.”

(Claúdio Ulpiano)


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Com o tema em mente atentar as ações ajuda. Vivemos tempos difíceis. O respeito a dignidade humana, muito falado por aí, nem sempre é praticado. Aprofundando o pensamento, logo percebemos que para não cair no lugar comum e realizar uma pregação, e deixar de lado a ação, se faz necessário autorreflexão.


Como anda nosso respeito à dignidade humana?

 

Para surpresa, podemos perceber com um pouco de sorte, estarmos respeitando a dignidade daqueles que estão próximos a nós, seja por vínculos pessoais ou familiares, crenças políticas, status social, ou ainda, por afinidades quaisquer. Talvez não sejamos tão generosos com aqueles que julgamos diferentes.


Manter o respeito por quem não compartilha de nossas crenças e opiniões, na família, no trabalho, no lazer, na política, ou em quaisquer outros aspectos da vida, pode ser mais complicado.


Levada ao extremo, a falta de respeito à dignidade do outro pode nos conduzir a perda da humanidade em comportamentos do dia a dia, muitas vezes nem percebidos como tal. Passar a ver o outro, aquele que se diferencia de nós por algum motivo, como alguém não merecedor do trato como semelhante, como humano, tem sido muito fácil na história recente de nossas sociedades. Basta uma passadinha pelas redes sociais e rapidamente veremos exemplos dessas situações. Historicamente esse modo de ser e agir com o outro deu origem ao Fascismo, tema tão bem retratado no filme alemão de Dennis Gansel, “A Onda” (Die Welle - 2008).


Talvez por isso, ao longo do tempo, tenha surgido a necessidade de legislar sobre a questão. O jurista, professor e magistrado brasileiro Luís Roberto Barroso (2010), ao buscar tornar o conceito de dignidade da pessoa humana mais objetivo, claro e operacional, nos conta que a acepção contemporânea do termo tem origem religiosa, bíblica, o homem feito à imagem e semelhança de Deus. Com o Iluminismo e a centralidade do homem, ele migra para a filosofia, tendo por fundamento a razão, a capacidade de valoração moral e autodeterminação do indivíduo; se tornando no século XX um objetivo político, um fim a ser buscado pelo Estado e pela sociedade (Barroso, 2010).


Após a Segunda Guerra Mundial, o conceito passa a ser um dos grandes consensos éticos mundiais e surge nos principais documentos internacionais, como a Carta da ONU (1945), a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) e mais recentemente na Carta Europeia de Direitos Fundamentais (2000) e no Projeto de Constituição Europeia (2004). Barroso nos ensina ainda que são conteúdos mínimos da dignidade o valor intrínseco da pessoa humana, a autonomia da vontade e o valor comunitário (Barroso, 2010).


A base desse conceito, presente inclusive em nossa constituição, se encontra na filosofia de Immanuel Kant (1724-1804), um dos mais importantes filósofos iluministas e, segundo Barroso (ops cit), ainda hoje, referência central na filosofia moral e jurídica, inclusive e especialmente na temática da dignidade humana.


Na tradição da filosofia da consciência de Sócrates e Platão, Kant constitui sua filosofia sobre as noções de razão e de dever, e sobre a capacidade do indivíduo de dominar suas paixões e de identificar, dentro de si, a ética do dever, uma ética descritiva, pautada na racionalidade, alheia aos instintos e aos afetos.


Seguindo em uma nova direção para pensar nossa atitude de respeito ao próximo encontramos o pensamento de Nietzsche. De tradição dionísica, de Héroclito e Espinosa como seus antecessores, esse filosofo inverte tudo que foi pensado em relação à racionalidade até então. Para Nietzsche paixão e instintos sempre devem estar em concomitância com a razão. Sem essa união, a felicidade não poderia ser encontrada, pois o homem é também um animal, um ser da natureza, composto por racionalidade e instinto, não havendo preponderância de um sobre o outro, onde uma perfeita harmonia entre esses aspectos deve ocorrer.


Espinosa, antes de Nietzsche, ao entender corpo e mente como algo único já aproximava afeto e razão, em uma perspectiva que contemporaneamente as neurociências têm validado. Para ambos, a razão e não os instintos nos engana. A razão muitas vezes falsifica o testemunho dos sentidos. Os sentidos não mentem.


É nesse sentido que o doutor em direito Thiago Pereira (2009) nos fala que os comentadores dizem ser a Ética de Espinosa uma teoria da potência, que se opõe à lei moral, a teoria do dever. Para ele, Nietzsche e Espinosa estabelecem uma filosofia em prol da vida, em prol dos bons encontros, dos bons afetos, sendo a diferença do pensamento de Espinosa para o pensamento tradicional kantiano-cartesiano a compreensão de ética e moral como duas coisas diferentes, apesar de originárias da mesma palavra grega.


No fim, chegamos a conclusão que você pode decidir por um ou outro caminho filosófico ao pensar a questão do respeito à dignidade humana. Talvez você se sinta melhor mantendo uma visão racionalista, seguindo uma lei externa, cumprindo com seus deveres morais; talvez esse caminho não satisfaça e você busque um aprofundamento sobre seu EU, suas vontades, suas potências. Não importa. De fato, o respeito à dignidade do outro, em uma ou outra tradição, pode ser baseado apenas nos que nos conta Dalai Lama ao expor seus pensamentos em conversas com importantes neurocientistas da atualidade. Para ele, existe um tipo de compaixão, sofisticado, baseado na preocupação de que o outro é exatamente como eu, e que esse outro, essa pessoa, assim como eu, deseja e tem todo o direito de ser feliz.


Para citar esse artigo:

MENDES, Marisa F.. Respeito à dignidade humana: uma decisão ética ou moral? Rio de Janeiro, 12 ago 2017. Disponível em: Acesso em:

 

Para saber mais:


BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Versão provisória para debate público. Mimeografado, dezembro de 2010. Disponível em: http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/a_dignidade_da_pessoa_humana_no_direito_constitucional.pdf Acesso: 25-07-2017.


GOLEMAN, Daniel (org). Emoções que curam: conversas com Dalai Lama sobre mente, emoções e saúde. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.


PEREIRA, Thiago Rodrigues. Kant e Nietzsche: uma discussão sobre a moralidade. Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI. São Paulo:SP - dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/sao_paulo/2591.pdf Acesso em: 27/07/2017.


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